Artigo do livro A Terapia em Sala de Aula, de Luciara Avelino e Sérgio Campos – págs. 83-89.
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A interiorização é o processo mais importante da psicanálise Keppeana para o indivíduo se conhecer. Em geral, as linhas de psicologia tendem a levar a pessoa a ver o problema fora dela, ou seja, nos pais, nos irmãos, na sociedade, no país e até mesmo em Deus. O processo de interiorização de Keppe leva o indivíduo a perceber que no seu interior há uma fonte inesgotável de alegrias e a rejeição a ele causa enormes sofrimentos. E quanto mais se entra em contato com este interior, mais desenvolvimento se tem. Sócrates dizia: “O início da sabedoria é a admissão da própria ignorância. Todo o meu saber consiste em saber que nada sei”.
A professora K. A. estava dando aula de Trilogia Analítica, em uma escola em Itapecerica da Serra, em São Paulo, quando a professora A. N. comentou o caso do aluno Carlos. Ela ficava sempre muito irritada por- que ele falava de uma maneira infantil demais para a sua idade e ela precisava pedir para ele falar direito o tempo todo.
A professora K. A. então perguntou: – O que você acha deste aluno? Procure dar ideias espontâneas sobre ele.
– Eu acho que ele fala manhoso para chamar a atenção de todos para si o tempo todo.
– Será que você não tem esta mesma atitude que ele, querendo sempre
chamar a atenção dos outros de uma maneira infantil? – alertou K. A.
– Hum… Acho que não. Respondeu A. N.
– Tente ver se você faz a mesma coisa em casa com o marido, com os filhos…
Durante todo o restante da aula, A. N. ficou com aquilo na cabeça e passou a observar melhor Carlos. De repente, ela deu um grande suspiro e disse:
– Nossa! Que vergonha! Eu fiz isso neste final de semana. Estávamos todos em casa almoçando, meu marido estava conversando com uns amigos à mesa e eu falei alto e comecei a fazer umas brincadeiras para chamar atenção. Todos se voltaram para mim e fiquei fazendo palhaçadas por algum tempo. É isso mesmo! Que coisa interessante!
Quando conseguiu ver isto dentro dela, acalmou-se muito em relação ao Carlos. Começou a lidar com ele sem nenhum problema, e durante toda a semana, não pediu nem uma vez para ele falar direito. E ele, por sua vez, parou de falar manhoso.
Notem que muitos professores ficam em cima de um problema de um aluno não porque realmente querem corrigir este erro, mas é muito mais por intransigência em não conseguir ver este mesmo problema em si próprios. Neste caso, fica muito mais difícil para este aluno se corrigir porque ele percebe que o professor não quer ajudá-lo. O professor está identificado com o problema dele.
Não estamos propondo deixar de orientar os alunos, mas se você estiver identificado com os problemas deles, não vai saber lidar com a situação. A única forma real de Educação é a conscientização. Por isso, Keppe diz: “Educar é conduzir o indivíduo a se conhecer”.
Abaixo segue um diálogo que um cliente estabeleceu com Dr. Keppe numa sessão de análise, que esclarece mais ainda a nossa atitude de ver fora um problema que é interno:
“ – Não gosto de meu pai porque ele é muito teimoso.
– Não é porque a sra. vê nele a sua teimosia?
– O sr. está dizendo que não gosto da consciência que meu pai me traz?
– O mais importante é perceber que não gosta de ver a sua teimosia, porque o pai constitui o espelho da sua.
– Sou inimiga de mim mesma?
– Enquanto houver alguém que cause aborrecimento, é sinal de que a pessoa se irrita consigo mesma através da outra, motivo pelo qual se prejudica ao não querer ver seu próprio comportamento”.
É no período da adolescência que o indivíduo decide o caminho que vai seguir na vida. É aí que ocorre a grande conversão para o bem ou para o mal e se o educador atuar neste processo, ele vai ajudar muito mais do que qualquer outro profissional em qualquer outra fase da vida do aluno.
Todo professor tem que conhecer cada aluno individualmente e verificar que cada um deles tem suas formas de se opor ao bem e ao próprio ser. Se o profissional desconhecer a psicopatologia dos alunos, ele vai trabalhar só com a parte superficial, com a máscara, com a hipocrisia e não vai realmente educar, mas só vai querer um comportamento razoável e tentar passar a matéria. Educar é muito mais que isto!
Educar é tornar o indivíduo cidadão pensante e consciente de seus problemas e de suas qualidades, é formar seres agentes de transformação social. Por isso, Keppe diz: “Se o conhecimento não for global não é conhecimento. Ele só pode ser atingido se chegar à essência da pessoa, ao fundo do seu ser, o que é alcançado pela investigação profunda”. Vou elucidar melhor este assunto com um exemplo.
O professor R. J., da Escola de Línguas Millennium, estava dando aula de inglês para um aluno. Num determinado momento da aula, ele percebeu no olhar do aluno uma certa tristeza e falta de entusiasmo. Coincidentemente, neste mesmo momento o aluno fez um comentário:
– Professor, não estou conseguindo aprender.
E o professor respondeu:
– Meu amigo, você não está conseguindo aprender porque você perdeu o entusiasmo pela vida em geral.
O aluno levou um susto e percebeu que era exatamente isso que estava acontecendo com ele no trabalho, em casa e na escola. Ele estava num processo interior de recusa ao desenvolvimento, mas não percebia em si e achava que o problema era a família, os professores, os colegas de trabalho etc.
O professor tem que funcionar como um terapeuta. Se o professor não tivesse dado esta consciência para o aluno, ele provavelmente teria deixado de estudar pensando que o problema era da escola. Temos que mostrar aos alunos que os sofrimentos que nós temos é pelo fato de não aceitarmos contato com as nossas falhas internas. Keppe diz: “O que nos causa sofrimento é a procura de algo que não precisa ser buscado, mas aceito”.
Gostaria também de mostrar este outro trecho do livro O Reino Divino de Norberto Keppe que vai ilustrar bem o desconhecimento da nossa vida interior:
“– Dr. Keppe, eu não percebo que tenho atitudes tão negativas.
– Por que acha que não quer notar essas atitudes?
– Para não melhorar?
É fundamental a percepção dos erros, que só as pessoas boas conseguem, por causa de seu amor ao bem, que constitui a visão do mal.
A ideia geral que se tem é que somos “perfeitos” e de vez em quando cometemos alguns erros – e não que somos defeituosos o tempo todo, mas poderemos em grande parte corrigi-los através do esforço da vontade.”
RODA DE CONVERSA
A professora e psicanalista Gislaine Lyyra tem uma grande experiência com a aplicação do Método Trilógico de ensino em várias escolas em São Paulo capital, e em outras cidades desse Estado também, com grande sucesso. Uma das aplicações é a Roda de Conversa. Ela coloca os alunos em círculo e pede para que eles falem sobre qualquer assunto. Muitas coisas são levantadas de diversas áreas: namoros, violência, espíritos, problemas de sala de aula, regras da escola, alunos que atrapalham mais as aulas, professores e até ETs. Tudo é deixado ser levado à tona. A partir daí, os assuntos, as ideias e ações são analisados de forma natural e são melhor compreendidos. Os conceitos de inveja, inversão, projeção, idealização etc. são analisados e a professora leva os alunos a uma interiorização de uma maneira bem prática.
É uma grande oportunidade para os alunos terem uma conversa séria e madura, porque normalmente eles não conversam muito com os adultos. Geralmente estão entre amigos e colegas de escola ou estão em casa nas suas atividades sem muito diálogo com pessoas mais velhas. Eles gostam muito de assuntos que os adultos conversam, mas os adultos não dão muita importância para eles.
Na Roda de Conversa, tudo o que eles falam é importante. Tudo pode ser usado para análise e levar para a interiorização, e eles gostam muito porque eles podem participar e recebem uma orientação para a vida. Eles têm oportunidade de falar de alunos que estão fazendo muita bagunça em sala de aula e estes têm oportunidade de saberem o que os outros pensam deles. É muito proveitoso e a indisciplina escolar diminui muito com esta atividade. Mas ela tem que ser feita por um profissional que tenha competência e entendimento da Psico-Sócio-Patologia (Trilogia Analítica).
Numa classe de 3o. ano do ensino médio de uma escola particular em Itapecerica da Serra, em São Paulo, dois amigos dominavam negativamente toda a classe, fazendo com que o desempenho geral caísse. Este assunto foi trazido na “Roda de Conversa” e com o auxílio da ciência trilógica todos os alunos conseguiram perceber o prejuízo dessa liderança e neutralizaram a ação ruim dos companheiros. A classe como um todo se desenvolveu muito depois disso.
Deste modo, podemos notar que os alunos no fundo sabem o que é certo fazer. Esta noção está impregnada no nosso interior. Portanto, a função do educador é mostrar todos os mecanismos que usamos para esconder a verdade que já sabemos.
Conforme Keppe:“O grande problema da humanidade não é propriamente o de não ter conhecimento, mas a atitude de negar, omitir ou deturpar o que sabe. Existe uma cunha entre o que a consciência capta e o que a inteligência recebe, motivada pela atitude de teomania, arrogância e megalomania do homem; estou falando que nós rejeitamos a sabedoria e o conhecimento, porque eles vêm diretamente do Criador e da criação, enquanto as fantasias e a imaginação são provenientes de nosso narcisismo e egocentrismo.”
É por isso que Keppe diz: “A tarefa da educação deve ser no sentido de conscientizar o aluno sobre as atitudes que adota contra toda a maravilha existente tanto na vida, como em nosso interior.”